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Coluna | Periscpio
Wender Reis
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Pedagogo e Orientador Social, curioso observador de tudo que causa espanto no mundo.
Carta para homens no abortados
08/12/2016
Senhores,

22a44

As mulheres abortam. Sempre abortaram. Sempre abortaro. Branca, preta, parda, magra ou acima do peso, felizes ou tristes, sempre abortaro.

Enquanto homem, no posso deixar de considerar de onde a minha cabea pensa para falar sobre o aborto. A forma como o assunto tratado no Brasil diz mais sobre ns homens que das mulheres. Proliferam-se discursos abertos ou velados reivindicando protagonismo onde no nos cabe, onde o nosso mrito no alcana.

Eu nunca escutei “encerre essa gravidez”. Eu nunca fui me solteira. Eu nunca tive um filho no reconhecido pelo pai. Eu nunca temi o julgamento de minha famlia por uma gravidez no desejada. Eu nunca tomei mistura de remdios arriscando a falncia de algum rgo. Eu nunca me intoxiquei com alguma erva extica. Eu nunca me deitei em mesas cirrgicas de clnicas clandestinas. Eu nunca morri tentando interromper uma gestao. Eu nunca tive um filho contra a minha vontade.

Minha me, esta sim, teve um filho contra a sua vontade, o mesmo que vos escreve agora. Depois de trs filhos, ela no queria encarar outra gestao, no queria outra criana para cuidar praticamente s, j que meu pai, bem como a imensa maioria, entendia que a funo do homem em uma famlia era trabalhar, nada mais. O que importa de uma longa histria que minha me no teve o direito a escolha, prevaleceu a vontade de meu pai, eu estou aqui. No escrevo para demonizar meu velho, embora tambm no o isente de suas responsabilidades, tampouco lamentar o fato de que minha me no queria este outro filho, este que sou eu. Sim, eu poderia no estar aqui. E se no estivesse a discusso sobre a minha existncia no me faria nenhum sentido, j que a mim que ela interessa. No consigo mensurar os impactos psicoemocionais que a minha me teria caso no tivesse engravidado de mim ou mesmo me abortado, mas de um eu tenho plena convico: se sentiria mais empoderada de “suas” escolhas, ainda que tivesse que se haver com elas depois.

Meu ado est em paz. Paz agora eu quero para o futuro das mulheres, pois da mesma maneira que dizemos a torto e a direito que existem vrios mtodos contraceptivos, que basta a vontade da mulher para ela no engravidar. Pois ento se consideramos que o corpo dala para dizer essa bobagem que quer dar a ela a responsabilidade maior de uma gravidez, no mnimo um paradoxo neg-las e, pior, criminaliza-las por se permitirem autoridade sobre o prprio corpo. Repito, o prprio corpo.

No podemos negar uma realidade onde o aborto clandestino a quinta causa de morte materna no Brasil. Milhares e milhares de vidas perdidas. O debate sobre o aborto tem mostrado o quanto nossa sociedade ainda est imatura para discutir questes tabus, que h muito deveriam ter deixado de ser. preciso salvar os enganos para que eles parem de continuar nos afundando no abismo das mesquinharias. preciso entender e falar sobre aborto como uma questo de Sade Pblica que - e no de Segurana. E se o lema cristo ocidental amar ao prximo, digo-vos para amarem as que aqui esto, elas, as mulheres que abortam, que sempre abortaram e sempre abortaro.
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