Final de ano e as pulgas que vivem atrs de minhas orelhas me sopraram a lembrana de um conto do sul-americano Nobel de literatura Gabriel Garca Mrquez, “Me Alugo para Sonhar”, publicado originalmente no livro “Doze Contos Peregrinos” me ocorre justamente no momento em que lanamos vistas para a retrospectiva de 2016. O conto trata sobre a vida de Frau Frida, personagem que se aluga para sonhar. Era o que dizia para qualquer um que perguntasse sobre sua profisso. Alm de sonhar, a personagem do conto de Garca Mrquez interpretava os sonhos. 1w6s54
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Aos sete anos sonhou que um de seus irmos era arrastado por uma correnteza. A me, por pura superstio religiosa, proibiu o menino de fazer aquilo que ele mais gostava, tomar banho no riacho. Mas Frau Frida j tinha um sistema prprio de vaticnios.
_O que esse sonho significa – disse – no que ele vai se afogar, mas que no deve comer doces.
A interpretao parecia uma infmia, quando era relacionada a um menino de cinco anos que no podia viver sem suas guloseimas dominicais. A me, j convencida das virtudes adivinhatrias da filha, fez a advertncia ser respeitada com mo de ferro. Mas ao seu primeiro descuido o menino engasgou com uma bolinha de caramelo que comia escondido, e no foi possvel salv-lo.
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O autor de “Cem Anos de Solido” o maior expoente do Realismo Fantstico na Amrica Latina. Para quem no conhece, a principal particularidade desta corrente literria unir o universo mgico realidade, apresentando elementos irreais ou estranhos como algo comum e cotidiano. Alm desta caracterstica, o realismo fantstico mostra os elementos mgicos de forma intuitiva, ou, melhor dizendo, como algo sem explicao.
Mas ento ser que estamos em um livro de realismo fantstico e no estamos sabendo? Repare a na retrospectiva, especialmente a poltica de 2016. Repare por sua prpria conta como as nossas principais instituies esto sendo mais surreais que as histrias do Garca Mrquez. Perdoem estar sendo genrico, o cansao de fim de ano.
Mas de volta ao “Me Alugo para Sonhar”, onde Frau Frida ganha vida sonhando, aproveito o espao para dizer que me ‘alugo para lembrar’ e assim o farei em 2017 com mais afinco e de maneira menos genrica. Pois o buraco negro que a conscincia do eleitorado brasileiro tem que fechar.
Que a sua retrospectiva de 2017 seja a melhor possvel. Feliz ano novo.
Obs.: O recorte do texto acima foi extrado do livro "Doze Contos Peregrinos", Editora Record — Rio de Janeiro, 1999, pg. 89.