Poderamos ter sido militantes panfletrios. Talvez estudantes da UFMG. Eu, negro, cursando o 2 ano de Jornalismo, ativista dos mais inflamados, comunista. Destino ideolgico dado pela cor da pele.
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Poderamos ter sido simpatizantes do Guevara, acreditar com toda fora de convico que s haveria um caminho para o futuro.
Poderamos ter entoado juramentos de fidelidade incondicional a luta iniciada por Prestes. Poderamos ter combatido com revolveres, paus e pedras os militares na praa Tiradentes no Rio de Janeiro.
Poderamos ter planejado o assassinato do Castello Branco, do Costa e Silva, do Medici e de vrios outros. Poderamos ter dissolvido o grupo em busca de fuga.
Poderamos ter sido exilados para o Chile, Argentina ou Uruguai. Poderamos ter conhecido a pior solido, que a do estmago. Capturados poderamos ter sofrido tortura, quem sabe, at a morte.
Poderamos ter criado uma revista para criticar e contestar a ditadura com ironia e bom humor. Poderamos, quem sabe, fazer peas de teatro, msicas de protesto, com sutileza e potncia.
Poderamos ter empunhado bandeiras, marchando pelas "Diretas J". Poderamos ter apoiado o Tancredo Neves, sem suspeitar do seu futuro. Poderamos ter contribudo com os estudos para a formulao da Constituio de 88.
Poderamos ter vivido tudo isso, poderamos ter assistido tudo isso. Mas na verdade essas histrias so histrias da nossa histria, da minha histria. No me lembro da ditadura porque no estive nela. Mas ainda posso v-la, no Brasil, os fantasmas no so assombrao, eles vivem entre ns.