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Coluna | BRASILzo
Fbio Brito
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O editor e jornalista Fbio Brito responsvel pela edio e publicao de centenas de ttulos voltados s realidades do Brasil. Durante anos esteve frente de selos editoriais importantes e renomados e no presente momento impulsiona, atravs de consultorias especficas nas reas editorial e cultural, os selos Bela Vista Cultural e FabioAvilaArtes. A coluna Brasilzo, inicialmente atravs do Jornal Correio do Sul, de Varginha, foi iniciada em 11 de julho de 2004 e tem contado com a importante parceria do Varginha Online na disponibilizao de vivncias de Fbio Brito por todo o Territrio Nacional e por pases por onde perambula em suas andanas.
So Luis do Maranho, 8 de dezembro de 2003
28/08/2020
21 horas.

22a44

O cu plmbeo prenunciava um aguaceiro que acabou no ocorrendo, mas o vento suave que soprava do sudoeste acariciava-me o rosto e insuflava-me o ego. Estava feliz por voltar ao Brasil. "Meu" Brasil de tantas recordaes e tantas histrias vividas e sonhadas.

Dois dias antes, no incio de uma tarde modorrenta, embarcara em Natal, Rio Grande do Norte, no voo da Varig para Fortaleza, a badalada capital do Cear. A viagem havia sido tranquila e, de meu privilegiado posto de observao, junto janela, contemplara maravilhado as belssimas praias cearenses com suas guas transparentes refletindo variadas tonalidades de verde e suas interminveis dunas entre tecendo texturas to inusitadas quanto belas.

Meus vizinhos de assento na aeronave - um danarino mineiro, negro, e seu acompanhante alemo, um estudioso de msica clssica - tambm vibravam diante da perspectiva de dias ensolarados e jubilosos no Cear. A chegada ao bonito e remodelado aeroporto da capital cearense e a festiva recepo dos visitantes s fizeram aumentar o entusiasmo de todos que ali desembarcavam. Os anfitries, competentes em seu mister, incentivavam ainda mais os recm-chegados a conhecer os encantos da paradisaca Fortaleza.

Ao sair do aeroporto, em direo ao hotel, a sensao - ados quase trinta anos desde a visita anterior cidade -. era de que as ruas haviam sido recapeadas e de que a infraestrutura turstica havia ganho volume e qualidade. Em poucos minutos, o taxista, que se utilizara de um atalho para desviar do trnsito pesado, deixou-me na porta do Hotel Ibis, onde me hospedaria.

Uma vez instalado, pude divisar, do nono andar onde ficava meu apartamento, uma bela paisagem da Praia de Iracema, com suas esculturas imitando jangadas e seu imponente mar azul.

Rapidamente vesti minha roupa de banho, no af de aproveitar ao mximo minha estada na cidade e os ltimos raios de sol daquele dia deslumbrante.

Chegando praia, no entanto, a primeira viso que tive foi impactante: fios de arame farpado na areia, blocos de cimento e pedaos de tijolos denunciavam a execuo de obras pblicas, provavelmente de recuperao, em larga extenso da orla fortalezense. Ainda que sob o choque daquela primeira surpresa, decidi no me abalar e parti, decidido, em direo decantada e louvada Avenida Beira-Mar. Mal pude crer no que se deparou diante dos olhos! Quiosques semidestrudos, garrafas plsticas vazias, copos descartveis e sacos de lixo misturavam-se a cadeiras de plstico injetado, dessas que os bares e restaurantes da orla costumam espalhar pro toda parte onde haja espao nos calades e na areia para "conforto" de seus fregueses. Toda essa mixrdia acompanhada de invel poluio sonora provocada por aparelhos de som em altssimo volume e televisores sintonizados no indefectvel Domingo do Fausto.

Para completar a cena dantesca, o esgoto e a gua usada dos estabelecimentos corriam a cu aberto, e diversos carros equipados com imensas caixas de som - qual, trios-eltricos "individuais" - disputavam a supremacia de seu repertrio musical, mais pelos decibis do que pela qualidade da trilha sonora. Portas laterais e traseiras abertas, os carros transformavam-se em insuspeitadas e inveis mquinas de barulho, numa diablica mistura de rap, funk, pagode e o execrvel ax.

Diante daquele ambiente irrespirvel, decidi procurar um lugar para comer algo. Dirigi-me, ento, a uma pizzaria que, em princpio, me pareceu bem montada e com bom servio. Ali fiquei aguardando por quase quarenta minutos, sem que uma criatura sequer do estabelecimento se interessasse pela minha pessoa. E enquanto aguardava a boa vontade dos garons, tive que, novamente, ar o programa do Fausto que, agora, apresentava a "inolvidvel" performance de uma senhora que tocava msica com as narinas. E, o que era pior, para gudio dos funcionrios e atendentes do restaurante, fascinados talvez pelo alto teor cultural e artstico da grotesca cena.

Persistente, decidi que at ento tivera apenas alguma m sorte e logo quis desfazer essa impresso negativa inicial. Dirigi-me, ento, ao Drago do Mar, centro cultural famoso e muito elogiado pela mdia local e de vrios cantos do Brasil. Ali, finalmente, pude encontrar um osis em meio s hordas barulhentas e ao invel cheiro de urina das redondezas. "Amanh", pensei, "irei Praia do Futuro e reencontrarei a Fortaleza que conheci outrora, a bela e doce dama dos anos setenta". Como estava enganado!

No dia seguinte, antes mesmo de me dirigir praia, dei uma rpida volta pelo centro da cidade, o que s confirmou que eu estava tendo um pesadelo ou participando de um filme de terror. Vi edifcios e construes histricas abandonadas, deterioradas... o ado da cidade estava ruindo pelo provvel descaso das autoridades responsveis por sua preservao.

Ao chegar Praia do Futuro, o filme de terror no qual me sentia mergulhado atingiu seu climax de espanto. Montes de lixo e uma profuso de cadeiras abandonadas espera de provveis fregueses maculavam a beleza da praia, e o contraste dos imveis de luxo ao lado de tamanha quantidade de detritos e de poluentes visuais fez-me sentir num improvvel pas de quarto mundo.

Revoltado, diante daquela sucesso de absurdos, resolvi deixar o infeliz Estado. Dirigi-me ao escritrio de turismo receptivo no aeroporto e manifestei meu desencanto com a situao atual de Fortaleza, ponderando junto ao funcionrio ali presente que a publicidade atualmente feita pelo rgo oficial de turismo enganosa, j que "vende" um paraso e entrega ao turista um inferno.

J dentro do avio que me levaria a So Luis do Maranho, no pude deixar de sentir um misto de frustrao, indignao e tristeza pelo que presenciara. Fui, ento, enquanto pensava na triste situao em que se encontra Fortaleza, assaltando por um angustiante sentimento que jamais havia experimentado: um gosto acre na boca e uma enorme vergonha de ser brasileiro...
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