O presente artigo tem por finalidade apresentar o posicionamento jurisprudencial1 acerca dos danos morais decorrentes da espera em filas de banco e a possibilidade ou no de condenao das Instituies Financeiras. O estudo no esgota a matria, at porque o espao no acadmico, entretanto, no deixa de abordar questes pontuais sobre a relao jurdica de consumo e as recentes decises dos Tribunais relacionados temtica. 3q5b1u
Em outros escritos, publicados nesta coluna, salientou-se que o Cdigo de Defesa do Consumidor, Lei n. 8078/90 (CDC), s se aplica s relaes jurdicas de consumo. Nestas relaes jurdicas devem estar presentes trs elementos: i) consumidor, ii) fornecedor e, iii) objeto (produto ou servio), artigos, 2, 3 e seus 1 e 2, respectivamente, todos do CDC.
No que importa para o presente estudo, imprescindvel destacar que o CDC conceitua servios como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remunerao, inclusive as de natureza bancria, financeira, de crdito e secutirria, salvo as decorrentes das relaes de carter trabalhista” (2, art. 3, do CDC).
Por um perodo considervel o colendo Supremo Tribunal Federal analisou e julgou a ADI2 2591, ajuizada pela Confederao Nacional das Instituies Financeiras (Consif), onde se discutia a inconstitucionalidade da insero no 2, do artigo 3, do CDC, dos servios prestados pelas instituies financeiras.
O pedido da Consif foi rejeitado. Posteriormente o c. Superior Tribunal de Justia uniformizou a jurisprudncia editando a Smula 297, a qual preconiza que “o Cdigo de Defesa do Consumidor aplicvel s instituies financeiras”.
Hoje, no resta dvida acerca da aplicao do CDC s relaes jurdicas existentes entre as instituies financeiras e os consumidores, entretanto, no raras vezes as instituies financeiras continuam a violar o direito dos consumidores, seja por meio de contratatos ou prticas abusivas, dentre elas a demora no atendimento aos clientes.
O artigo 6, do CDC aponta inmeros direitos bsicos do consumidor, como o direito a proteo da vida, sade e segurana (inciso I); direito a educao (inciso II); direito informao (inciso III); direito contra publicidade enganosa (inciso IV); direito reviso contratual (inciso V); direito efetiva reparao dos danos (inciso VI); direito de o Justia e aos rgos istrativos de proteo e defesa do consumidor (inciso VII); direito facilitao da defesa de seus direitos (inciso VIII); e, por fim, direito adequada prestao dos servios pblicos em geral (inciso X).
Sabe-se que a lista de direitos bsicos do artigo 6, do CDC no exaustiva, tanto que, o artigo 7 do mesmo Cdigo salienta que os direitos previstos no CDC no excluem outros decorrentes de tratados ou convenes.
Neste estudo, concentrar-se-o os esforos no direito proteo contra as prticas abusivas, no direito efetiva reparao dos danos morais e no direito adequada e eficaz prestao dos servios pblicos em geral.
certo que o consumidor tem o direito proteo contra prticas abusivas, mas como sempre acontece o fornecedor, neste caso a instituio financeira recordista em violao desse direito, pois impe aos consumidores a situaes desumanas, fazendo-o esperar por vrias horas em filas interminveis, sem disponibilizar assentos em nmero suficiente, sem fornecer gua e disponibilizar sanitrios. Esperar em fila de banco algo desgastante, estressante e pode gerar angstias e ansiedades.
Iniciou-se uma onda de legislaes municipais (leis municipais) tratando da matria no sentido de regulamentar o tempo de espera em fila de bancos. Inconformados, algumas instituies buscaram o judicirio questionando a competncia legislativa do municpio. O c. STF, no Recurso Extraordinrio n. 610.221/SC, manifestou sobre a matria, decidindo que o municpio tem competncia para legislar sobre o tempo de espera de clientes na fila de banco.
Na sua maioria as referidas legislaes limitam um tempo mximo para atendimento, prevendo indenizaes em caso de exceder esse limite.
Mas ser que a extrapolao do prazo fixado na lei por si s gera danos morais?
O c. STJ no voto do eminente ministro Sidnei Beneti (REsp 1.218.497 – MT)3 salientou que no, entretanto, ponderou que, se a instituio financeira cria um sofrimento anormal ao consumidor o dano existir, como por exemplo: a) no ter assento disponvel, b) ausncia de sanitrio, c) ar condicionado etc.
Em recente deciso o Tribunal de Justia do Distrito Federal condenou uma instituio financeira por demora no atendimento a cliente, veja a ementa da deciso:
48514854 - JUIZADOS ESPECIAIS CVEIS. AO DE INDENIZAO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE AUSNCIA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADA. DEMORA NO ATENDIMENTO. FILA DE BANCO. DIA DE GRANDE MOVIMENTO NA AGNCIA. IRRELEVNCIA. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO EM AUTO-ATENDIMENTO. IMPERTINNCIA. DANO MORAL CARACTERIZADO. REPARAO FIXADA EM PATAMAR RAZOVEL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENA MANTIDA. 1 - Acrdo lavrado em conformidade com o disposto no art. 46 da Lei n 9.099/1995, e art. 99 do regimento interno das turmas recursais. 2 - A inexistncia de ato ilcito, caso fosse reconhecida, no conduziria extino do feito por ausncia de interesse de agir, pois no se trata de matria relacionada s condies da ao, mas, sim, existncia dos requisitos do dever de indenizar. Preliminar rejeitada. 3 - Sendo incontroverso nos autos que o cliente aguardou por mais tempo do que o legalmente estabelecido para atendimento em agncia bancria, devida a indenizao por danos morais, por se tratar de violao dignidade da pessoa praticada com ofensa Lei. 4 - No foi comprovado nos autos que os sistemas de auto-atendimento do banco recorrente permitem o pagamento de faturas vencidas. De qualquer modo, irrelevante que o consumidor tenha sua disposio outros meios de pagamento, pois a agncia bancria obrigada a prestar o servio a contento quando procurada pelo cliente. No mesmo sentido, impertinente alegar que a agncia local confortvel e climatizado, pois, alm de ter sido demonstrado que no havia cadeiras suficientes no dia do atendimento (fl. 160), tais fatos no so suficientes para afastar a ilicitude da submisso dos clientes a tempo de espera excessivo. 5 - Os critrios adotados pela sentena impugnada, ao quantificar o valor da indenizao por danos morais no patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), esto de acordo com a orientao da doutrina e da jurisprudncia, razo pela qual a sentena no merece reforma. 5 - Recurso parcialmente conhecido e improvido. Sentena mantida por seus prprios fundamentos. 6 - O recorrente dever arcar com o pagamento das custas e dos honorrios advocatcios, que fixo no patamar de 15% (quinze por cento) do valor da condenao, conforme art. 55 da Lei n 9.099/95. (TJDF; Rec 2012.07.1.036097-9; Ac. 702.286; Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal; Rel. Juiz Antnio Fernandes da Luz; DJDFTE 16/08/2013; Pg. 236)4
O Tribunal de Justia do Mato Grosso tambm compartilha do mesmo pensamento, veja:
52149890 - RECURSO INOMINADO. INDENIZAO POR DANOS MORAIS ESPERA EM FILA DE INSTITUIO BANCRIA ALM DO TEMPO PERMITIDO POR LEI. INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATRIO MINORADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. No inconstitucional a Lei municipal que fixa tempo mximo de espera nas filas dos bancos, j que apenas regulamenta a adequao e a eficcia da prestao dos servios, o que de interesse da localidade. 2. O banco deve dispensar tratamento adequado e atencioso aos seus clientes, notadamente em respeito Lei municipal, sob pena de, no o fazendo, incorrer em indenizao por danos morais. 3. Deve ser mantida a sentena que condena a instituio bancria em indenizao por danos morais em razo da espera por 1 hora e 35 minutos. Smula n 17 da turma recursal nica. 4. Merece ser reduzido o valor da indenizao fixada quando no observados os critrios de proporcionalidade e modicidade. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJMT; RCIN 2576/2012; Turma de Cmaras Criminais Reunidas; Rel. Des. Hildebrando da Costa Marques; Julg. 19/02/2013; DJMT 27/02/2013; Pg. 74).
Da anlise dos arestos acima, pode-se concluir que, a demora na fila de banco constitui prtica abusiva, que impinge ao consumidor sensao de descaso e viola a dignidade da pessoa humana. evidente que nem sempre o dano moral5 ser configurado, isto porque alguns aborrecimentos do cotidiano no geram danos morais. Porm, havendo violao da Lei Municipal (que trata da matria) e a sujeio do consumidor a um sofrimento anormal, a instituio financeira pode ser condenada.
O consumidor tem direito a um servio de qualidade, adequado e eficaz. dever do fornecedor, da instituio financeira, proporcionar ao consumidor este servio, no o fazendo estar incidindo em prticas abusivas. Com isso, estar violando o direito do consumidor e, consequentemente, se sujeitando a provveis condenaes por danos morais.
1- Deciso reiterada acerca de uma matria. 2- Ao Direta de Inconstitucionalidade. 3- Em muitos casos, sem dvida, h abuso na judicializao de situaes de transtornos comuns do dia a dia, visando indenizao por dano moral (cf., por todos, LUIZ FELIPE SIEGERT SCHUCH, “Dano Moral Imoral”, Florianpolis, ed. Conceito, 2012). Nesse sentido, julgados desta Corte tm assinalado que os aborrecimentos comuns do dia a dia, os contratempos normais e prprios do convvio social no so suficientes a causar danos morais indenizveis. Nesse sentido, vrios julgados: AgRg no Ag 1331848/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe 13/09/2011; e REsp 1234549/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Terceira Turma, DJe 10/02/2012; REsp 1232661/MA, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe 15/05/2012 e AgRg nos EDcl no REsp 401.636/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma, DJ 16/10/2006. 4- Mas, o direito indenizao por dano moral, como ofensa a direito de personalidade em casos como o presente pode decorrer de situaes fticas em que se evidencie que o mau atendimento do banco criou sofrimento moral ao consumidor usurio dos servios bancrios. A s espera por atendimento bancrio por tempo superior ao previsto na legislao municipal ou estadual como, no caso, Lei Municipal 4069/01, Decreto-lei 4334/06 e Lei Estadual 7872/2002, no d direito a acionar em Juzo para a obteno de indenizao por dano moral, porque essa espcie de legislao, conquanto declarada constitucional (STJ-RESP 598.183, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1 Seo, unnime, 8.11.2006, com remessa a vrios precedentes, tanto do STJ como do STF), de natureza istrativa, isto , dirige-se responsabilidade do estabelecimento bancrio perante a istrao Pblica, que, diante da reclamao do usurio dos servios ou ex-officio , deve aplicar-lhe as sanes istrativas pertinentes – no surgindo, do s fato da normao dessa ordem, direito do usurio indenizao. O direito indenizao por dano moral origina-se de situaes fticas em que realmente haja a criao, pelo estabelecimento bancrio, de sofrimento alm do normal ao consumidor dos servios bancrios, circunstncia que apurvel faticamente, luz das alegaes do autor e da contrariedade oferecida pelo acionado. Nesse contexto, possvel afirmar, com segurana, que a espera por atendimento durante tempo desarrazoado constitui um dos elementos a serem considerados para aferio do constrangimento moral, mas no o nico. No ser o mero desrespeito ao prazo objetivamente estabelecido pela norma municipal que autorizar uma concluso afirmativa a respeito da existncia de dano moral indenizvel. Tambm h de se levar em conta outros elementos fticos. 5- No caso dos autos, a sentena e o Acrdo do Tribunal de origem analisaram e afastaram, expressamente a alegao do banco, de que a autora teria realizado procedimento diverso do desejvel, no indo ao caixa eletrnico e, sim, permanecendo na fila de atendimento pessoal no caixa, assinalando, o Acrdo: “No isso que se constata ao folhear os autos. preciso ressaltar que o documento juntado a fl. 31, prova justamente o contrrio. Nele constata-se que a apelada ficou na fila de espera do banco, no dia 04.07.2008, muito alm do tempo estipulado (15 minutos)” e concluindo: “Percutindo o fundo da perlenga, verifica-se que no se trata de mero aborrecimento, pois a apelada ficou muito tempo alm do previsto na legislao (fl. 31) e se encontrava com a sade debilitada (fls. 32/;35), caracterizando total desleixo no atendimento por parte do apelante” (e-STJ fls. 256-157). Por sua vez, a sentena, incisivamente, destacou: “No caso, alm do tempo de espera, a autora argumenta que esta se deu em condies desumanas, em p, sem sequer haver um sanitrio disponvel para os clientes. Tal alegao constitui fato notrio, pois inegvel que a cogitada agncia no dispe de sanitrios e que no h lugares para todos os clientes aguardarem a longa espera sentados” (sentena, e-STJ, fls. 108). Editora Magister A reparao do dano moral no visa reparar no sentido literal a dor, pois esta no tem preo. Como ressaltou Giorgi, a dor, a alegria, a vida, a liberdade, a honra ou a beleza so de valores inestimveis. Isso no impede, porm, que seja aquilatado um valor compensatrio, que amenize aquele dano moral.
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